domingo, 26 de maio de 2013

Dissimulando

Um estalo e tudo fica tão claro. O desafio de enfrentar todos os dias os mesmos inconvenientes e passar por sobre pedras que estão em seus devidos lugares. Um clandestino em um velho navio cargueiro, um fantasma em um casarão abandonado. Figuras indesejáveis, mas necessárias, dão legitimidade a esses lugares, uma ar de permissividade, de marginalidade para aquilo que representa o que há de mais perverso. Almas encarceradas, sonhos de viagens impossíveis.
É em certo momento liminar que se descortinam as “verdades estruturais”, quando fica claro que seu lugar não é ali, aqueles não são os seus, e os poucos que geram reconhecimento saturam as relações, exageram a proximidade, exigem a paciência como um mecanismo de sobrevivência.
Você não é um deles, por mais que compartilhe seus rituais e tenha aprendido a linguagem dos mais favorecidos. Para aqueles que foram moldados pela força do formão da vida sobre a matéria bruta todos os dias são um martírio de uma peregrinação em corredores sem cor, ouvindo os ecos de risos secos, ofuscando o reflexo de olhos arregalados pelas lentes de óculos grandes demais para uma capacidade limitada de enxergar. Isso consome seu orgulho, obriga a sorrir com os dentes cerrados, faz da rotina uma encenação. Esse teatro goffmaneano, essas versões de eus cotidianos, essa dissimulação obrigatória.

É daquela arte xamânica de dançar sobre um poste e escapar por uma fresta quem vem a inspiração para esse artesanato da vida acadêmica, ser um estranho, tão estranho que acaba passando desapercebido. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário