Um estalo e tudo fica tão claro. O desafio de enfrentar
todos os dias os mesmos inconvenientes e passar por sobre pedras que estão em
seus devidos lugares. Um clandestino em um velho navio cargueiro, um fantasma
em um casarão abandonado. Figuras indesejáveis, mas necessárias, dão
legitimidade a esses lugares, uma ar de permissividade, de marginalidade para
aquilo que representa o que há de mais perverso. Almas encarceradas, sonhos de
viagens impossíveis.
É em certo momento liminar que se descortinam as “verdades
estruturais”, quando fica claro que seu lugar não é ali, aqueles não são os
seus, e os poucos que geram reconhecimento saturam as relações, exageram a
proximidade, exigem a paciência como um mecanismo de sobrevivência.
Você não é um deles, por mais que compartilhe seus rituais e
tenha aprendido a linguagem dos mais favorecidos. Para aqueles que foram
moldados pela força do formão da vida sobre a matéria bruta todos os dias são um
martírio de uma peregrinação em corredores sem cor, ouvindo os ecos de risos
secos, ofuscando o reflexo de olhos arregalados pelas lentes de óculos grandes
demais para uma capacidade limitada de enxergar. Isso consome seu orgulho,
obriga a sorrir com os dentes cerrados, faz da rotina uma encenação. Esse
teatro goffmaneano, essas versões de eus cotidianos, essa dissimulação
obrigatória.
É daquela arte xamânica de dançar sobre um poste e escapar
por uma fresta quem vem a inspiração para esse artesanato da vida acadêmica,
ser um estranho, tão estranho que acaba passando desapercebido.